Suspensão temporária das medidas administrativas de saúde e segurança do trabalho, doença ocupacional e penalidades e a crise do coronavírus

Através deste texto, passa-se a abordar mais um tema relacionado à publicação da Medida Provisória nº 927/2020 para o enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes de toda a situação.

Além das medidas que poderão ser adotadas pelo empregador listadas no art. 3º da MP nº 927/2020 e detalhadas ao longo da norma, algumas exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho foram suspensas durante o estado de calamidade, o que será objeto do presente texto.

DO CUMPRIMENTO DAS NORMAS DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO

Cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, instruindo os empregados através de ordens e serviços quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais.

As empresas, de acordo com as normas expedidas pelo Ministério do Trabalho (atualmente pelo Ministério da Economia) estão obrigadas a manter serviços especializados em segurança e medicina do trabalho e a constituir a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes).

Existe um corpo normativo regulamentar detalhando, entre outras, a periodicidade de exames ocupacionais, dimensionamento de serviço especializado em segurança e medicina do trabalho, dimensionamento da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e treinamentos obrigatórios.

DOS EXAMES MÉDICOS OCUPACIONAIS

A obrigatoriedade de o empregador realizar exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares está regulada no artigo 168 da CLT, havendo normas regulamentares a esse respeito. No entanto, a MP nº 927/2020 trouxe, no art. 15, a suspensão provisória de alguns deles.

Pode-se apontar o seguinte quadro comparativo entre as previsões da CLT e a suspensão temporária trazida pela Medida Provisória.

  • A CLT estabelece a obrigatoriedade de exame médico na admissão e na demissão. Estabelece, ainda, a necessidade de exames periódicos, bem como outros exames complementares exigidos, por critério médico, para apuração da capacidade ou aptidão física e mental do empregado.

A mudança diz respeito ao fato de que, na MP nº 927/2020, foi previsto que a realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares fica suspensa durante o estado de calamidade pública nela referido, exceto os demissionais. Estes, entretanto, poderão ser dispensados no caso do exame médico ocupacional mais recente ter sido realizado há menos de 180 (cento e oitenta) dias.

Ficou estabelecido na citada MP nº 927/2020 que os referidos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares suspensos como acima indicado, serão realizados no prazo de sessenta dias a contar da data do encerramento do estado de calamidade pública.

Ressalvou-se, no entanto, a hipótese de o médico coordenador do programa de controle médico e saúde ocupacional considerar que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado, indicando, nessa hipótese, a necessidade de sua realização.

DOS TREINAMENTOS PERIÓDICOS E CIPA

  • Está prevista nas Normas Regulamentadoras de segurança e saúde do trabalho (NR´s) a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos de acordo com o risco da atividade. Podemos citar, exemplificativamente, NR-1, NR-18, NR-22 e NR-35.

A MP nº 927/2020 estabeleceu que fica suspensa, durante o estado de calamidade pública, a obrigatoriedade de realização dos treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados.

Ficou estabelecida a realização desses treinamentos, no prazo de 90 (noventa) dias contado da data de encerramento do estado de calamidade. No entanto, previu-se que, durante o estado de calamidade, podem ser realizados treinamentos na modalidade de ensino a distância, cabendo a cada empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.

A MP nº 927/2020 não suspendeu a obrigatoriedade de realização de treinamentos admissionais, quando a atividade assim o exigir.

  • A obrigatoriedade de constituição e manutenção da CIPA, entre elas a realização de eleições periódicas e o prazo de validade está prevista nas Normas Regulamentadoras de segurança e saúde do trabalho aprovadas pelo Ministério do Trabalho e ou Ministério da Economia (NR-5).

A MP nº 927/2020, no artigo 17, permitiu a manutenção da atual composição das CIPAS até o encerramento do estado de calamidade pública, podendo ser suspensos os processos eleitorais em curso.

 DA ATUAÇÃO DOS FISCAIS

A fiscalização das empresas e aplicação de penalidades também é objeto de disciplina na CLT em diversos artigos, de acordo com a gravidade da falta.

Está previsto no artigo 161 da CLT, por exemplo, conforme regulamento da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, que a autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho, à vista do relatório técnico de Auditor Fiscal do Trabalho que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar atividade, estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra.

A MP nº 927/2020 estabeleceu, no seu art. 31, que, durante o período de 180 dias contados da entrada em vigor (publicação no DOU de 23/03/2020), os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto as seguintes infrações:

  • falta de registro de empregado, a partir de denúncias;
  • situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação;
  • ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente e
  • trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.

 DA COMUNICAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO – CAT

O artigo 19 e seguintes da Lei 8.213/91 dispõem sobre o acidente de trabalho e as hipóteses a ele equiparadas, impondo, no art. 22, a obrigação do empregador comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social a até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato.

O art. 20 do mencionado diploma legal prevê que se considera acidente do trabalho, entre outras, (i)  “doença profissional, assim entendida a produzida ou desencandeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social” (art. 20, I) e (ii) a “ doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social” (art. 20, II).

  • A MP nº 927/2020 não alterou o conceito de acidente de trabalho e a obrigação de comunicar o acidente de trabalho – CAT.

A Medida Provisória nº 927/2020, entretanto, estabeleceu no seu artigo 29 que os casos de contaminação pelo coronavirus (COVID-19) não serão considerados ocupacionais, exceto comprovação do nexo causal.

Em outras palavras, ainda que a pessoa tenha trabalhado em contato com alguém que esteja infectado, isto não gera presunção de que a doença foi adquirida no trabalho, devendo, para esta conclusão, haver comprovação de que houve o nexo causal entre a doença adquirida e a prestação do trabalho.

*Este texto foi produzido por Ana Claudia Guimarães Vitari, com a colaboração de Ana Cristina Meireles, ambas sócias de Guimarães e Meireles Advogados Associados S/C