Prorrogação de jornada em estabelecimento de saúde e a crise do novo coronavírus

Através desse texto, será abordada a situação relacionada prorrogação de jornada de trabalho nos estabelecimentos de saúde de acordo com as disposições da Medida Provisória nº 927/2020.

O Capítulo “X” da MP nº 927/2020 versa sobre “Outras disposições em matéria trabalhista”, dispondo, nos artigos 26 e 27, sobre a prorrogação de jornada de trabalho nos estabelecimentos de saúde durante o estado de calamidade pública.

Abaixo, transcreve-se os dispositivos, passando-se, após, à análise de seus textos:

Art.  26. Durante o de estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, é permitido aos estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso:

I – prorrogar a jornada de trabalho, nos termos do disposto no art. 61 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943; e

II – adotar escalas de horas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado nos termos do disposto no art. 67 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.

Art. 27.  As horas suplementares computadas em decorrência da adoção das medidas previstas nos incisos I e II do caput do art. 26 poderão ser compensadas, no prazo de dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, por meio de banco de horas ou remuneradas como hora extra”.

Abaixo, passa-se a indicar as diferenças entre o regime atual de trabalho em 12 x 36 regido pela CLT e o instituído pela MP nº 927/2020, para os trabalhadores em estabelecimentos de saúde, durante o período de calamidade pública.

REGIME DE 12X36 HORAS

CLT

O artigo 59-A da CLT, incluído pela Lei 13.467/17, faculta às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de 12 horas seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso. Nesse regime de trabalho, o parágrafo único do art. 60 da CLT dispensa a prévia autorização da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho.

MEDIDA PROVISÓRIA

O art. 26 da MP nº 927/2020, entretanto, está a permitir, no período do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus, mediante acordo individual escrito: (i) a prorrogação de jornada nos estabelecimentos de saúde “mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso” e (ii) adoção de escalas de horas suplementares de até mais doze horas, sem penalidade administrativa.

Ou seja, no período do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus, os estabelecimentos de saúde poderão, mediante acordo individual escrito, independentemente de autorização prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho, praticar o seguinte regime de trabalho:

I – trabalho normal com jornada de 12 horas seguido de descanso também de 12 horas de trabalho; e,

II –trabalho extraordinário de até mais 12 horas, a partir do final do descanso indicado no item anterior.

III – novo período de descanso de 12 horas.

Ou seja, neste caso, o empregado trabalhará em regime de 12x12x12x12 horas, sendo as doze primeiras como serviço ordinário, seguidas de 12 horas de descanso, seguidas de 12 horas de trabalho extraordinário e, por fim, de mais 12 horas de descanso (completando o ciclo de 48 horas do regime 12×36).

A esta conclusão se chega pela redação do inciso II do art .26 da MP nº 927/2020 que alude à adoção de horas suplementares entre a 13ª hora e 24ª do intervalo interjornada (entre as jornadas), sabendo que este, no regime 12 x 36, inicia-se após o fim das 12 primeiras horas de labor.

Além do quanto dito, é necessário que se garanta o repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente aos domingos (art. 67 da CLT/MP n. 905/2019).

BANCO DE HORAS

CLT

A CLT prevê a instituição do banco de horas por acordo ou convenção coletiva ou, ainda, por acordo individual escrito, nos §§ 2º e 5º da CLT do art. 59, respectivamente, estabelecendo que o excesso de horas em um dia, poderá ser compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano (em caso de previsão em acordos ou convenções coletivas) ou de seis meses (no caso de pactuação em acordo individual), à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite de dez horas diárias.

MP

O artigo 27 da MP nº 927/2020 dispôs no sentido de que as horas suplementares objeto das medidas facultadas no artigo 26 poderão ser compensadas por meio de banco de horas ou remuneradas como hora extra.

Observe-se que tais dispositivos silenciaram sobre o limite de 10 (dez) horas diárias de trabalho, diversamente do parágrafo 1º do art. 14 que, ao instituir o banco de horas especial para as situações em geral, estabeleceu este limite.

De fato, é natural que não tenha havido esta limitação porque o próprio regime de trabalho de que se trata demanda labor em jornada de 12 (doze) horas, em consonância, aliás, com o quanto previsto no § 2º do artigo 61 da CLT que trata de prorrogação de jornada em casos de necessidade imperiosa, inclusive por motivo de força maior.

Veja-se, inclusive, que o inciso I do art.26 da MP  nº 927/2020 faz referência ao artigo 61 da CLT que trata, justamente, de hipóteses de prorrogação de jornada em situação de força maior.

Vale notar que o prazo de compensação destas horas que constarão do banco de horas será de até 18 (dezoito) meses, o qual será contado da data de encerramento do estedo de calamidade pública, o que está previsto, a princípio, para 31/12/2020.

Com esta previsão, neste regime de compensação especial, não prevalecem as normas da CLT a respeito dos prazos de compensação em razão do banco de horas.

 

 

*Este texto foi produzido por Ana Cláudia Guimarães Vitari, com a colaboração de Ana Cristina Costa Meireles, sócias de Guimarães e Meireles Advogados Associados S/C