CONVERSÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº936/2020 NA LEI Nº 14.020/2020 MODIFICAÇÕES – PARTE II

A medida provisória nº 936/2020 que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública, foi convertida na Lei nº 14.020/2020, publicada em 07/07/2020.

Em texto anteriormente publicado, foram indicadas as principais mudanças trazidas pelo mencionado diploma legislativo em relação ao quanto havia sido previsto na Medida Provisória nº 936/2020 no que diz respeito às medidas relacionadas à suspensão temporária do contrato de trabalho e redução proporcional do salário e jornada. 

Neste texto serão abordadas as demais modificações ocorridas com enfoque nos aspectos trabalhistas.

  1. Vedação à dispensa sem justa causa de Pessoas com Deficiência – PCD’s 

O inciso V do art. 17 da Lei 14.020/20 previu que, durante o estado de calamidade pública, isto é, pelo menos até 31 de dezembro de 2020, será vedado ao empregador dispensar, sem justa causa, o empregado pessoa com deficiência – PCD.

Na prática, essa vedação cria uma espécie de estabilidade provisória a tais empregados, que já gozavam de uma maior proteção do ordenamento jurídico antes da pandemia da COVID-19, na forma do §1º art. 93 e da Lei nº 8.213/91.

Assim, as pessoas com deficiência passam a gozar de garantia provisória no emprego, pelo menos, até 31 de dezembro de 2020, apenas podendo ser dispensados por justa causa ou a pedido do empregado.

  1. Impossibilidade de aplicação do art. 486 da CLT às hipóteses de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal para o enfrentamento do estado de calamidade pública

O art. 29 da Lei nº 14.020/20 afastou expressamente a possibilidade de aplicação do art. 486 da CLT às hipóteses de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal para o enfrentamento do estado de calamidade pública, durante a sua duração. 

Esse dispositivo da CLT prevê que, no caso paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato dessas autoridades acima referidas ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuidade da atividade empresarial, a indenização devida ao empregado ficará a cargo do governo responsável. 

Trata-se do conhecido “fato do príncipe” que tem sido invocado, com base no dispositivo mencionado, por empresas que se sentem prejudicadas por atos de império praticados pelos Poderes Públicos e buscam ressarcimento da indenização devida ao empregado.

Registre-se que a teoria do fato do príncipe não se confunde com a teoria da imprevisão. Enquanto essa está fundada na ocorrência de fatos imprevisíveis, portanto, alheios à vontade da administração, aquela funda-se em um ato de império da administração, cujos efeitos causam danos anormais e específicos aos particulares.  

Ao afastar completamente a possibilidade de aplicação desse dispositivo legal às hipóteses de paralisação ou suspensão de atividades durante o estado de calamidade pública, a Lei 14.020/20 termina por afastar discussões que surgiram no início da pandemia acerca do tema, conferindo maior segurança jurídica às empresas.

3.Impossibilidade de cumulação de salário-maternidade e benefícios do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda

A Lei 14.020/20 previu no seu art. 22 a possibilidade de a empregada gestante, inclusive a doméstica, participar do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, observando-se determinadas condições estabelecidas naquele diploma legal.

Previu-se, assim, que, no momento em que houver o afastamento da empregada para o gozo da licença-maternidade, o qual ocorre com a apresentação de atestado médico no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a realização deste, o empregador deverá comunicar imediatamente o fato ao Ministério da Economia (art. 22, §1º, I).

Apesar do § 1º  do art. 22 da Lei 14.020/2020 referir como o evento caracterizador do início do benefício de salário-maternidade o regulado pelo art. 71 da Lei 8.213, a percepção de salário-maternidade pode ocorrer, também, quando não for possível afastar a gestante ou a lactante do exercício de suas atividades em local insalubre na empresa, hipótese que será considerada como gravidez de risco, nos termos do § 3º do art. 394-A da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017.

Ocorrendo qualquer desses eventos, haverá a interrupção da redução proporcional de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho e pagamento do benefício emergencial, passando a empregada a perceber o salário-maternidade, na forma da Lei nº 8.213/91.

O salário-maternidade será pago considerando-se a remuneração integral ou último salário de contribuição que a empregada teria direito sem aplicação da redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou suspensão temporária do contrato.

Essa regra deve ser observada também para as empregadas que adotarem ou obtiverem guarda judicial para fins de adoção, aplicando-se as disposições da Lei nº 8.213/91 no que diz respeito ao pagamento do benefício de salário maternidade.

  1. Possibilidade de cancelamento do aviso prévio em curso 

A Lei nº 14.020/20, no art. 23, trouxe uma inovação e previu a possibilidade de o empregador e empregado, em comum acordo, optarem pelo cancelamento do aviso prévio em curso e adotarem quaisquer das medidas previstas de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho (art. 3º).

Tal previsão concretiza a disposição do art. 489 da CLT que permite ao empregador reconsiderar o aviso prévio antes de exaurido o seu prazo, desde que o empregado concorde com tal medida.

A novidade fica por conta da possibilidade da adoção das medidas previstas na lei para a preservação do emprego. Essa possibilidade se aplica tanto à hipótese em que o aviso prévio está sendo cumprido de forma trabalhada como, ainda, percebido de forma indenizada uma vez que, em ambas as hipóteses, a extinção do vínculo de emprego só se concretiza ao término da integração do período de aviso prévio ao contrato de trabalho.

Há de se destacar, por outro lado, que, em havendo a opção pelas partes em reconsiderar o aviso prévio em curso de modo a se adotar a redução proporcional da jornada de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho, deverá ser observado, em relação ao empregado, o período de garantia provisória no emprego, na forma do art. 10 da Lei nº 14.020/2020.

 

  1. Possibilidade de repactuação de empréstimos e operações de crédito com desconto em folha de pagamento

A Lei nº 14.020/20, no art. 25, trouxe outra inovação em relação à Medida Provisória nº 936/20, ao prever a possibilidade de repactuação de operações de empréstimos, de financiamentos, de cartões de crédito e de arrendamento mercantil concedidos, com desconto em folha de pagamento ou na remuneração disponível (Lei nº 10.820/2003), aos empregados que:

(a ) pactuaram redução proporcional de jornada de trabalho e de salário;

(b) pactuaram suspensão temporária o contrato de trabalho;

(c) tenham contraído COVID-19 comprovado por laudo médico acompanhado de exame de testagem.

Previu-se a possibilidade de carência de até 90 (noventa) dias, à escolha do mutuário (art. 25, §1º), garantindo-se, ainda, ao empregado que tenha pactuado redução proporcional de jornada de trabalho e de salário, o direito à redução das prestações referidas no art. 1º da Lei nº 10.820/2003 na mesma proporção de sua redução salarial  (art. 25, §1º).

Além disso, foi previsto no art. 26 que os empregados que forem dispensados até 31 de dezembro de 2020 e que tiverem contratado operações de empréstimos, de financiamentos, de cartões de crédito e de arrendamento mercantil com desconto em folha ou na remuneração disponível (Lei nº 10.820/2003), terão direito à novação dessas operações para um contrato de empréstimo pessoal, com as mesmas condições anteriormente pactuadas e, ainda, carência de até 120 (cento e vinte dias).

  1. Regulamentação da contribuição previdenciária facultativa dos empregados com suspensão temporária do contrato ou redução proporcional de jornada e de salário com alíquotas diferenciadas

A Medida Provisória nº 936/20 previu, em seu art. 9º, §1º, inciso IV, que o pagamento da ajuda compensatória mensal paga pelo empregador em decorrência da redução de jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária de contrato de trabalho não integraria a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salário.

Esta previsão significa que sobre o valor pago a título de ajuda compensatória mensal, o empregador não tem obrigação de recolher a contribuição previdenciária. 

Apesar disso, a Medida Provisória permitiu, no art. 8º, §2º, inciso II, que o empegado com o contrato de trabalho suspenso, efetue o recolhimento da contribuição previdenciária para o Regime Geral da Previdência Social na qualidade de segurado facultativo, durante o período de suspensão. 

A Lei 14.020/20, por sua vez, manteve esta previsão (art. 8, §2º, inciso II) e ampliou a mencionada possibilidade aos trabalhadores intermitentes (art. 17, §6º) e aos empregados que tiverem redução proporcional de jornada e de salário (art. 7º, §2º), assim como regulamentou a forma como será realizada tal contribuição (art. 20 e seguintes). 

Em todos esses casos serão os próprios trabalhadores responsáveis pelo recolhimento da contribuição para o Regime Geral da Previdência Social, até o até o dia 15 do mês seguinte ao da competência (art. 20, §1º), observando-se as seguintes alíquotas:

a) 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento), para valores de até 1 (um) salário-mínimo;

b) 9% (nove por cento), para valores acima de 1 (um) salário-mínimo até R$ 2.089,60 (dois mil e oitenta e nove reais e sessenta centavos);

c) 12% (doze por cento), para valores de R$ 2.089,61 (dois mil e oitenta e nove reais e sessenta e um centavos) até R$ 3.134,40 (três mil, cento e trinta e quatro reais e quarenta centavos); e

d) 14% (quatorze por cento), para valores de R$ 3.134,41 (três mil, cento e trinta e quatro reais e quarenta e um centavos) até o limite de R$ 6.101,06 (seis mil, cento e um reais e seis centavos).

Ao longo dos parágrafos seguintes e, ainda, no art. 21, são detalhadas as bases de incidência das contribuições e demais detalhamentos sobre o tema.

 

*Este artigo foi produzido por Ana Cristina Costa Meireles com a colaboração de Ana Cláudia Guimarães Vitari, ambas sócias de Guimarães e Meireles Advogados Associados S/C