Contratos e o COVID-19

Ninguém poderia imaginar a situação atípica que estamos vivendo em decorrência do novo coronavírus (COVID-19). Difícil imaginar também todas as consequências jurídicas que advirão desse momento. No entanto, já é possível ver no dia-a-dia diversas obrigações contratuais sendo frustradas, ainda que transitoriamente.

É só imaginar o caso dos lojistas que pagam aluguel. Em diversos Estados do país já houve determinação de paralisação de todo centro comercial, impossibilitando as lojas de operarem. Em outras palavras, há uma frustração da atividade econômica que ensejou o contrato de aluguel.

Pensa-se também na hipótese da empresa que possui refeitório e contrata serviço de alimentação para seus empregados. Ocorre que muitas empresas estão concedendo férias coletivas, diante da necessidade de isolamento. Assim, verifica-se perda transitória do objeto do contrato firmado, na medida em que não há justificativa para permanecer o fornecimento de alimentação em refeitórios.

O que fazer nessas situações?

O Código Civil traz uma solução: pode-se aplicar a regra da revisão contratual constante no art. 317, reforçado por outros dispositivos e princípios. Trata-se de mecanismo que privilegia o princípio da preservação dos contratos (em detrimento da resilição ou resolução contratual) e protege o princípio da confiança ao manter o equilíbrio.

Em apertada síntese, para que ocorra a revisão contratual, é necessária a ocorrência de eventos imprevisíveis (ou extraordinários), que gerem excessiva onerosidade a uma das partes.

O fato imprevisível é aquele que não poderia ser previsto pelas partes, por maior diligência que tivessem, enquanto evento extraordinário é o evento excepcional que foge aos acontecimentos ordinários da vida. Não há dúvidas de que o surto do novo coronavírus jamais poderia ser previsto por qualquer pessoa – até mesmo os especialistas.

No entanto, além do fato imprevisível, é necessário que se verifique a onerosidade excessiva para uma das partes. Esse requisito só poderá ser auferido no caso concreto. Voltemos, então, aos exemplos acima.

No caso das lojas, pode-se verificar onerosidade excessiva na manutenção do preço do aluguel, na medida em que a própria razão de existência do contrato de locação (atividade comercial) está impossibilitada de ser exercida. Continuar pagando o preço como se o comércio estivesse funcionando normalmente é impor ao lojista prestação desproporcional, afinal, ele está sendo privado de auferir receita no período. A revisão é, pois, necessária para que o aluguel reflita a realidade: a loja está apenas estocando seu material naquele local¹.

Por outro lado, configura-se como onerosidade excessiva o fato da empresa permanecer pagando o serviço de alimentação sem a efetiva prestação do serviço. Nesse caso, como a frustração da obrigação é total, as partes podem acordar até mesmo na suspensão temporária do contrato.

Não sendo o caso das partes acordarem na revisão (ou suspensão) contratual, a parte que foi onerada excessivamente pode buscar o Judiciário para que o juiz modifique o contrato para restabelecer o seu equilíbrio.

 

Autora: Carolina Meireles

¹ No caso específico da locação, o art. 19 da Lei n. 8.245/91 prevê a possibilidade de revisão contratual apenas após o decurso de três anos. Nesse caso, surge a problemática: será que os juízes permitirão, diante do situação que se instaurou no país, a revisão da locação mesmo antes do decurso do prazo? Acredita-se que, devido a excepcionalidade do momento, a regra do Código Civil deve prevalecer.