Acordo individual escrito entre empregado e empregador e a crise do novo coronavírus

Através deste texto, será abordado o tema relativo à previsão do art. 2º da Medida Provisória nº 927/2020, segundo a qual ficou facultado a empregado e empregador celebrar acordo individual escrito a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício.

O artigo 2º da MP nº 927/2020 previu o seguinte:

Art. 2º.  Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

Essa norma não é inteiramente nova no ordenamento jurídico uma vez que aquela estabelecida no parágrafo único do art. 444 da CLT estabelece igual possibilidade para os denominados empregados hipersuficientes, quais sejam, aqueles que são portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social

Desse modo, o que se compreende do texto do art. 2º da MP nº 927/2020 é a extensão da possibilidade contida no parágrafo único do art. 444 da CLT (restrita à categoria de empregados indicada) a todos os empregados, durante o estado de calamidade pública, com a ressalva expressa de que devem, neste último caso, ser respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

Com isso não se quer dizer que, na hipótese do parágrafo único do art. 444 da CLT os limites constitucionais não devam ser respeitados; apenas se ressalta que, no caso do art. 2º da MP, esta previsão é expressa.

Sobre os limites dessa previsão de negociação individual, poderá haver dissenso na doutrina e jurisprudência. No entanto, é fato que o acordo escrito que seja ajustado entre empregado e empregador deve respeitar os limites estabelecidos na Constituição Federal.

Relembre-se que o art. 7º da Constituição Federal estabelece os padrões mínimos de direitos, não se podendo perder de vista que os temas tratados nos incisos VI (irredutibilidade salarial), XIII (duração mínima do trabalho normal) e XIV (duração máxima do trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento), podem ser flexibilizados, na forma ali prevista.

Por outro lado, é necessário lembrar que, embora o art. 7º da Constituição Federal, como dito, preveja direitos mínimos do trabalhador, é a lei (ou eventuais ajustes normativos ou individuais, conforme a hipótese) que disporá sobre as condições da fruição daqueles direitos.

Assim, por exemplo, no inciso VIII do art. 7º da Constituição Federal está previsto o direito ao décimo terceiro salário com base na renumeração integral ou no valor da aposentadoria, mas é a lei e seu regulamento pertinente (Lei nº 4.090/62 e Decreto nº 57.155/65, por exemplo) que disciplinam a oportunidade de seu pagamento.

Outro exemplo pode ser o relacionado às férias. Embora garantido o gozo anual de férias com acréscimo de 1/3 no inciso XVII do art. 7º da Constituição Federal, a sua época de concessão e remuneração estão delineadas na CLT, nos arts. 129 e seguintes.

No que diz respeito à questão relacionada à duração máxima de trabalho, por outro lado, a própria CLT estabelece a possibilidade de ajuste individual entre empregado e empregador, prevendo acordo de compensação de horas com a fixação de limite. Do mesmo modo, a MP nº 927/2020 também previu novas hipóteses de compensação ao instituir uma modalidade especial de banco de horas no art. 14.

Em conclusão, a previsão do art. 2º da MP n. 927/2020, embora deva respeitar os limites mínimos previstos na Constituição, autoriza que se discipline a forma de fruição de determinados direitos ali previstos, contanto que as previsões respectivas não sejam de tal ordem que aniquilem os próprios direitos em si.

 

*Este texto foi produzido por Ana Cristina Costa Meireles e Ana Cláudia Guimarães Vitari, sócias de Guimarães e Meireles Advogados Associados S/C