A OBRIGATORIEDADE DA VACINA CONTRA A COVID-19 NO AMBIENTE DE TRABALHO

Em todo o mundo, muito se tem debatido sobre a possibilidade da exigência de comprovação da imunização contra a COVID-19 em determinados ambientes ou até mesmo para ingresso em alguns países. 

O Brasil, assim como em outros locais, já começa a debater o tema e os Tribunais começam a enfrentar algumas ações judiciais sobre o assunto, especialmente quando transportado esse debate para o centro das relações de emprego. 

Se, de um lado, discute-se o direito à liberdade individual, de outro, pondera-se o direto à saúde coletiva e à segurança do trabalho.  

Assim como em países estrangeiros, também no Brasil vem se firmando a tendência de seguir a linha de entendimento de que é legítima a imposição de determinadas restrições a quem se recuse a se vacinar, em prol de uma proteção da coletividade. 

O Supremo Tribunal Federal, no ensejo do julgamento da ADI n de n. 6.5961, traçou limites para diferenciar a obrigatoriedade da vacinação, que eventualmente pode vir a autorizar, por exemplo, a restrição de circulação em determinados ambientes daqueles que se recusem a vacinar, da vacinação forçada, vedada pela Constituição Federal, conforme trecho abaixo:  

 

“I – A vacinação em massa da população constitui medida adotada pelas autoridades de saúde pública, com caráter preventivo, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e a provocar imunidade de rebanho, com vistas a proteger toda a coletividade, em especial os mais vulneráveis. 

II – A obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas. 

III – A previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima, desde que as medidas às quais se sujeitam os refratários observem os critérios constantes da própria Lei 13.979/2020, especificamente nos incisos I, II, e III do § 2o do art. 3o, a saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e, ainda, ao “pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas”, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar a integridade física e moral dos recalcitrantes. 

(…).”. 

 O Acórdão de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, publicado em 07 de abril de 2021, terminou por  julgar parcialmente procedente a ação fixando, ainda, algumas diretrizes sobre o assunto: 

  “(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critério de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”. 

 Tratando especificamente do tema nas relações de emprego, o Ministério Público do Trabalho emitiu um Guia Técnico Interno Sobre Vacinação da COVID-19.2 

Segundo o entendimento do referido Órgão :  

“…é de se concluir que a vacinação, conquanto seja um direito subjetivo dos cidadãos, é também um dever, tendo em vista o caráter transindividual desse direito e as interrelações que os cidadãos desenvolvem na vida em sociedade. Neste sentido, o direito à vacinação também pode constituir um dever nas hipóteses em que envolve questões de saúde pública, como nos casos de epidemias e pandemias. (…)Diante de uma pandemia, como a de Covid-19, a vacinação individual é pressuposto para a imunização coletiva e controle da pandemia.“. 

 O documento, fundamentado nos artigos 157 e 158 da CLT3, esclarece ser obrigação dos empregadores cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, implicando em ato faltoso a recusa injustificada ao cumprimento das instruções pelo empregado. 

No último dia 23 de julho de 2021, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região publicou a primeira decisão sobre a matéria da obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19 no ambiente de trabalho4. 

A decisão proferida nos autos do processo n. 1000122-24.2021.5.02.0472, de Relatoria do Desembargador Roberto Barros da Silva, publicado em 23/07/2021, manteve a sentença que julgou improcedente o pedido de reintegração de uma empregada que se recusou a tomar a vacina contra o COVID-19, conforme se pode extrair de alguns trechos da decisão, abaixo transcritos: 

 “A despeito das alegações da reclamante no sentido de que não poderia ser obrigada a tomar a vacina, porque não existe lei que a obrigue, é preciso consignar que em 07/02/2020 foi pulicada a lei 13.979/2020, que dispõe justamente sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública mundial deflagrada do novo coronavírus. Veja-se que o referido regramento, previu, em seu artigo 3o, inciso III, a possiblidade de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas baseadas em evidências científicas. 

Com efeito, a vacinação em massa da população contra a COVID19 se constitui como medida emergencial que vem sendo adotada pelas autoridades de saúde pública de todo o mundo, no claro intuito de proteger a população em geral, evitar a propagação de novas variantes, bem como reduzir o contágio, diminuir as internações e óbitos e possibilitar o retorno da sociedade para as suas atividades laborativas, comerciais, empresariais, acadêmicas e familiares. 

(…) 

Nesse passo, em se tratando de doença altamente contagiosa, que ensejou uma grave pandemia que vem sendo duramente combatida no mundo todo, e que causou o colapso do sistema de saúde em geral (escassez de vagas, elevação no número de internações hospitalares, falta de leitos de UTI, necessidade de compra de respiradores, oxigênio, medicamentos, contratação de profissionais de saúde) e ocasionou um aumento expressivo do número de óbitos, sem falar nos incontáveis prejuízos para a economia global, incluindo, por óbvio o fechamento de estabelecimentos comerciais, empresas e até mesmo a diminuição expressiva de postos de trabalho, não há como acolher a tese recursal suscitada pela apelante, no sentido de que, mesmo trabalhando na linha de frente e com vacina disponibilizada de forma gratuita pelo Governo, seu interesse pessoal, consubstanciado na simples recusa da vacina, sem a apresentação de qualquer justificativa, deve prevalecer sobre o interesse coletivo. 

A bem da verdade, considerando a gravidade e a amplitude da pandemia, resta patente que se revelou inadequada a recusa da empregada que trabalha em ambiente hospitalar, em se submeter ao protocolo de vacinação previsto em norma nacional de imunização, e referendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sobretudo se considerarmos que o imunizante disponibilizado de forma gratuita pelo Governo (vacina), foi devidamente aprovado pelo respectivo órgão regulador (ANVISA). Desse modo, considerando que a reclamada traçou estratégias para a prevenção da COVID19, divulgou informações e elaborou programa de conscientização para assegurar a adoção de medidas protetivas e a vacinação de seus colaboradores, não se mostra razoável aceitar que o interesse particular do empregado prevaleça sobre o interesse coletivo, pois, ao deixar de tomar a vacina, a reclamante realmente colocaria em risco a saúde dos seus colegas da empresa, bem como os demais profissionais que atuam no referido hospital, além de pacientes, e seus acompanhantes. 

Acrescente-se que é dever do empregador oferecer aos seus empregados ambiente de trabalho salubre e seguro, nos termos da Lei, reprisando-se que no caso vertente, a reclamada comprovou a adoção das medidas necessárias e disponibilizou aos seus colaboradores informativos sobre a necessidade de minimizar os riscos de contágio, incluindo, por óbvio, a necessidade de aderir ao sistema de imunização. 

Diante de tais circunstâncias, e considerando que a reclamante já havia sido advertida anteriormente pelo mesmo motivo, e em nenhum momento tentou justificar (seja para a reclamada, seja em Juízo), o motivo que teria ensejado a recusa em tomar a vacina disponibilizada de forma emergencial e prioritária ao grupo de trabalho ao qual ela pertencia (dadas as condições de risco por trabalhar em ambiente hospitalar de risco), fico plenamente convencido de que a conduta adotada pela reclamada (aplicação da justa causa) não se revelou abusiva ou descabida, mas sim absolutamente legítima e regular, porquanto, para todos os efeitos, a reclamante não atendeu à determinação da empresa.”. 

 Como dito, a referida decisão é a primeira de que se tem notícia no país, de forma que, em breve, os demais Tribunais do Trabalho também deverão proferir decisões com o seu entendimento sobre o tema, assim como o TST. 

Dessa forma, em que pese inexistir farta jurisprudência sobre o assunto, pode-se verificar que as primeiras manifestações do STF, Ministério Público do Trabalho e Tribunal Regional de Trabalho da 2ª Região demonstram uma tendência do Poder Judiciário de considerar legítima a exigência de vacinação contra a COVID-19 de seus empregados, sob pena de sanções previstas em lei, inclusive na legislação trabalhista. 

Por fim, é importante mencionar que ainda que se consolide o entendimento acima, eventuais recusas deverão ser analisadas no caso concreto, bem como eventual aplicação de sanções deve seguir todas as normas e princípios constitucionais e trabalhistas sobre o assunto. 

 

*Este artigo foi produzido por Bruna Jardim com a colaboração de Ana Cristina Costa Meireles, ambas sócias de Guimarães e Meireles Advogados Associados S/C