LGPD e a Prescrição Trabalhista: Retenção de Dados

A LGPD, ou Lei Geral de Proteção de Dados – Lei nº 13.709/2018, inspirada na Lei Europeia, General Data Protection Regulation (GDPR), entrou em vigência com o objetivo de estabelecer diretrizes para os tratamentos de dados pessoais.

Verifica-se, portanto, que a LGPD veio para trazer normas que deverão ser observadas sempre que for realizado qualquer tratamento de dado pessoal, sendo certo que o seu descumprimento poderá acarretar o pagamento de multa, mas, principalmente, impactar na imagem da empresa e na confiança que esta inspira no mercado. 

Sendo assim, é imprescindível que as empresas estejam aptas a realizar o processamento de dados pessoais em conformidade com os parâmetros legais. 

Nesse contexto, importando esse conceito para as relações de trabalho, não há dúvidas de que empregadores – ou até mesmo tomadores de serviços – terão que realizar o correto processamento dos dados daqueles que lhes prestam serviços.

Oportuno destacar que, apesar da LGPD não contemplar expressa disposição sobre a sua aplicação no âmbito do Direito Laboral, sua incidência é irrefutável, afinal a relação de trabalho sequer teria como se iniciar e se desenvolver sem a coleta, recepção, armazenamento e retenção de dados pessoais dos empregados, prestadores de serviços ou candidatos a empregos.

Saliente-se que o tratamento de dados em uma relação de trabalho ou emprego ocorre desde a fase do processo seletivo até momento posterior ao fim da prestação de serviço ou da rescisão contratual.

Em algumas situações, a guarda da documentação contendo dados pessoais apresentados pelos empregados e/ou prestadores estará autorizada a ocorrer em período posterior ao término da relação contratual, visto que podem ser necessários para cumprimento de obrigações legais ou mesmo para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral.

Importante, contudo, observar que os dados só poderão permanecer armazenados na empresa enquanto estiverem fundamentados por uma das autorizações legais previstas nos arts. 7º ou 11 da LGPD.

Os artigos 15 e 16 da LGPD, expressamente dispõem sobre o término do tratamento de dados e sobre a obrigatoriedade da a sua eliminação desses dados quando ocorrido o término do tratamento.

Nesse sentido, dentro da relação laboral, para fins de tratamento com fundamento em exercício regular de direito em processo judicial, administrativo ou arbitral, a prescrição trabalhista deverá ser levada em consideração.

Segundo a Constituição Federal, a regra geral é a de que o direito de ação prescreve em 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho, e os empregados  poderão pleitear direito relativos aos últimos 5 (cinco) anos a contar do ajuizamento da ação – art. 7º, XXIX, da CF/88.

Contudo, em muitas situações, as quais deverão ser analisadas no caso concreto, a guarda dos dados pessoais poderá ser recomendada por período de tempo mais prolongado ou até mesmo indeterminado, haja vista as hipóteses legais ou jurisprudenciais de prazos prescricionais mais elásticos.

Como exemplo, podem ser citadas as seguintes hipóteses:

1) De acordo com o art. 11, parágrafo 1º da CLT, estão excluídas da incidência dos prazos prescricionais as ações envolvendo anotações junto à Previdência Social.

Entendeu o Legislador que estas ações ostentam natureza meramente declaratória, não se submetendo à prescrição prevista no caput do artigo 11 da CLT, e art. 7º, XXIX, da CF/88.

Dessa forma, nesses casos, cabe à empresa levar tal norma em consideração, no momento de definir o prazo de guarda de diversos documentos oriundos da relação laboral.

2) Outra hipótese refere-se as ações envolvendo pedido de doenças ocupacionais e/ou acidente de Trabalho. De acordo com o posicionamento jurisprudencial, essas ações poderão ter prazo prescricional diferenciado, a exemplo do quanto previsto nas súmulas 230 do STF e 278 do STJ, o que também deverá ser levado em consideração, no momento de se definir o prazo de guarda dos documentos que contenham dados pessoais e que possam ser utilizados no exercício regular do direito de defesa em processos.

3) Outro exemplo de prazo diferenciado de guarda de documentos diz respeito à guarda de prontuário médico.

De acordo com a Lei 13.787/2018, que dispõe sobre a digitalização e a utilização de sistemas informatizados para a guarda, o armazenamento e o manuseio de prontuário de paciente, o prazo para guarda dessa espécie de documentação é de 20 (vinte) anos, conforme art. 6º da norma.

Nesse sentido, verifica-se a necessidade de manutenção da documentação armazenada, de forma segura, pelo período anteriormente mencionado.

4) Por fim, um último exemplo diz respeito aos documentos contendo dados pessoais, necessários à liquidação das ações trabalhistas.

A fase de liquidação de uma Reclamação Trabalhista pode demorar a se iniciar, para muito além do período estabelecido na regra geral da prescrição laboral., Dessa forma, alguns documentos da relação contratual podem ter o seu armazenamento pela empresa justificado para serem apresentados neste momento processual, caso sejam solicitados e não tenham sido apresentados anteriormente, quando da apresentação da defesa. 

Note-se, portanto, que ao tratar da base legal do tratamento de dados pessoais para fins de exercício regular de direito em processo judicial, administrativo ou arbitral, em muitas situações, a regra geral de prescrição trabalhista de 02 (dois) ou 05 (cinco) anos não será suficiente para exaurir o direito do agente de tratamento, que poderá manter a guarda de tais dados por período mais elástico, sempre amparado em alguns dispositivo legal ou entendimento jurisprudencial consolidado.

Importante mencionar que, enquanto existente fundamento jurídico legal ou jurisprudencial que ampare a guarda dos dados pessoais, a empresa não estará obrigada a excluir tais informações.

Entretanto, é necessário salientar que a autorização de retenção de tais documentos estará sempre acompanhada do princípio da minimização, ou seja, somente aqueles dados pessoais estritamente necessários à finalidade proposta é que terão o seu armazenamento autorizado, não se admitindo a guarda de documentos contendo dados em excesso, desnecessários ao exercício regular de direito em processo.

Esta análise, entretanto, somente poderá ser realizada no caso concreto, durante um projeto de implementação da Lei Geral de Proteção de Dados.  

Diante de tudo quanto exposto, além da segurança na guarda de informações, a LGPD também cria regras sobre a retenção dos dados pessoais, de forma que qualquer tratamento de dados somente estará autorizado quando acompanhado de uma base legal autorizadora e pelo prazo necessário para o cumprimento de sua finalidade.

 

Esse texto foi escrito por Tyciane Castro, sócia de Guimarães e Meireles Advogados Associados S/C